sábado, 26 de janeiro de 2013

Descoberta descoberta

                               
Trechos de Diário...

"Quando descobri que não havia mar em Minas Gerais me perguntei como alguém podia morar num lugar assim...Faz tempo, muito tempo, numa aula de Geografia com o mapa do Brasil mimeografado (eu adorava aquele cheiro de álcool) na mão e o Atlas aberto sobre a carteira arregalando meus olhos e me deixando sem ar...Como, afinal de contas, pode-se respirar sem água?!?! Esse sentimento me visitou desta vez e acho que entendi mais ou menos para onde devo ir provavelmente ao término do estágio, se aprovada. Quando você está no mato e sabe que o mar está ali adiante é diferente, muito diferente de saber que ele não está."

"Lembrei da Rackel. Passo muito ao largo de Clarice, obviamente, mas ela sempre teimava em encontrar semelhança entre os escritos famosos e os rabiscos anônimos de um diário nascido para ser queimado com outros numa pilha semestral. Clarice era 'louca' como eu...Caminhos, motivações e (des)esperanças à parte.

Manoelando-se em Barro é poetar-se. Loucura leve e feliz de criança que (des)assossega Pessoa.

'É azul e voa. Nome pra quê?' Definido. Apreendido. Nada sofrido. É que ele inventou pra disfarçar que fugia pra criar e, uma vez criado, instalava-se, até criar novamente...E seguia fugindo (re)inventando o mundo que sabidamente escolhera acolher."

"De tudo ao meu amor...não seria atenta a menos que, ao passar, me pegasse pelos braços, sacudisse e dissesse quem é. Eu o deixaria passar. Não perceberia a delicadeza no olhar porque não estou em fase de delicadeza. Não cabe mais em mim a delicadeza, vivo a urgência física do contato, do grito gestual. Era fácil ou difícil sonhar? Ou eu não percebia? Não queria?...

Ato
Fato
Ato
Desacato
Fato
Ato

E se agora percebo, não movo a pedra do caminho, não subo nela, não me sento, empaco adiante ou ao lado e ela some de tanto ficar lá. Ou sou eu quem sumo? (In)existo? A gente pode, sim, viver sem se encontrar, mas é como a pedra que sendo não está lá. Não é vida de verdade. Viver é melhor que sonhar, cantou Elis. Não é novidade. Todos sabem e fazem, mas foi Elis quem cantou. Eu só vivo."


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Fragmentos



Não é sempre que contamos o inteiro, quase sempre reunimos porções aqui, acolá e tecemos fios dos dias.
Nada impede uma secção repentina, que torne difícil ou mesmo indesejável o trabalho de reunir e cerzir.
Daí alguns fragmentos rodeando o vento, vindo em direção ao rosto, impedindo a visão ou enroscando os pés e levando à queda. Necessário aceitá-los antes de compreender. Por isso, os deposito aqui. Melhor espaço não há, afinal, é aqui que registro as imagens dos caminhos que sigo...

"O que seria da razão sem a emoção? O que é agora sem ela?"

"Prisioneiros do inferno d'alma, quem é silencia. No silêncio, vez por outra, vislumbra incerta libertação e, por incerta que é, silencia novamente. Pensa quase suplicando: poderei ir? Esquece em seguida. Sabe, mais que isso, sente, que enquanto não exorcizar fantasmas e enfrentar seus demônios, longe estará a liberdade. Talvez é nunca."

"Azul, sempre."

"Hoje sonhei com você. Motivo para isso não há, mas sonho não se controla...Me convidou a passear, um almoço em casa de uma tia. No seu carro ou no meu, não importa. Fomos. No meio do caminho - sempre o meio, análogo ao 'quase', maldição da existência -, você parou num mercadinho para comprar bebida, era sua contribuição. acho que divergimos quanto a isso e depois pouco me importei, afinal, não bebo mais. Seguimos, desta vez caminhando. Você ia um pouco à frente, levava algo parecido com um farnel e mais coisas nas mãos. Parava sempre que eu parava, nem uma palavra, só o olhar. Eu mal conseguia levar um pacote e um pouco do que foi comprado. Depois que chegamos tudo ficou diferente, principalmente, você, mas disso não vou falar. Gostaria de saber interpretar sonhos. Sonhos são tolos."

"A rosa não É e/ou pode ESTAR sem o espinho; só morta."

"Há pessoas, coisas e lugares que nos levam ao extremo das emoções onde não habita razão; conheço de cada um pouco."

"Os únicos animais cruéis somos nós, que não matamos para saciar a fome do estômago."

"Àqueles que não precisam de ninguém e estão sempre certos: continuem assim! Sempre, em todas as encarnações. Vocês merecem, afinal sabem de tudo..."

"Descobrir o que se pode ou não fazer é relativamente simples. Descobrir e ter consciência da vontade que se vai empregar ou não no agir, não; podendo causar negação no sujeito como reagente ao sentir-pensar e uma gama de emoções oriundas de naturezas diversas que o influenciará satisfatoriamente ou não, bem como o meio que o cerca."

"Voltar ao tempo de colorir painéis nas paredes e colar jujubas molhadas...como o Petit peguntar aos adultos depois: estão vendo minha onça? Ela 'tá' ali!"

"A rudeza das gentes na vida faz que esqueçamos a gentileza, primeiro, conosco e, depois, de doá-la, como faz o sol e a chuva e o ar que nos mantem a vida."

"Penso na amplidão que o amor nos habi(li)ta ser(mos) eu e você e o viver."

"A felicidade seria possível se houvesse compreensão e respeito."

"Livre é quem pode estar em paz consigo nas escolhas que faz. Liberdade não tem preço!"

"Resiliência...sempre a pratiquei, só não a chamava pelo nome!"

"Costume rechaçar os 'não competidores'...problema é de quem tem problema com os outros."

"Penso no sol e no mar tão vitais para minha existência; no céu estrelado; verde e pássaros livres como todos deveríamos ser."


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um olhar de criança







Quando era criança não pude assistir à adaptação de Gabriela para TV. Agora estou acompanhando e gostando, apesar de colher informações dos que assistiram à época e apontar diferenças; o que é natural.

Mas o que me trouxe aqui hoje não é a obra de Jorge e, sim, o olhar de minha filha, que me surpreendeu ao revelar que "me via mais ou menos assim como Gabriela"...A espontaneidade das crianças é fantástica e não precisei pensar muito em como explorar o assunto, bastou replicar: É, mesmo? interessante!..." e a pequena foi contando sua estória e descrevendo a mãe Gabriela dela!

Ouvi atenta a descrição e me indagava de onde ela tinha visto semelhança entre a personagem e eu.

Eu-Gabriela, sou na imaginação dela bem morena, cabelos negros e crespos (isso é verdade) longos ao vento e sempre com uma flor de hibisco a adorná-los (também aí, ela chegou perto, pois, apesar de meus cabelos, agora lisos e castanhos e curtos, sempre gostei de enfeitá-los com flores do campo). Mas ela era tão pequena, será que lembra disso? Uso roupas compridas e soltas, beirando o chão e, nos pés, no máximo, chinelos. Descalça, só na areia da praia para cumprimentar o mar, que retribui o carinho com marolinhas a fazer cosquinhas neles, adoro! Essa personagem sou eu mesma. Um jeito meio riponga de ser, um compromisso com o conforto e bem-estar que não comporta sensualidade e modismos. Nisso a famosa personagem de Jorge teve que se adaptar a mim para compor a imagem da mãe pelo o que a criança vê e sente.

Fiquei tão entusiasmada com a novidade que busquei na memória a imagem que fazia de minha mãe e lá estava ela como produto do que era: uma secretária executiva bem vestida, com sapatos de salto - que odeio! - muito educada e solicita nas oito horas em que era provedora. Já nos fins de semana tinha uma camponesa em casa. Uma mulher notável sem dúvida e que não hesitava em trocar o salto pela pá e cuidar de suas plantas. A cada colheita de frutas, um doce ou geléia diferentes. Como não existe bom sem defeito, os dela eram bastantes: perseguia sujeira até onde não havia, sua lança, a vassoura; seu escudo, o corpo, que pereceu. Talvez derive disso minha aversão aos afazeres domésticos...Já o "exterior" me atrai, seja na forma de um móvel para lixar, de uma parede para pintar e, ultimamente, até as plantas que sinto vontade de cultivar, ter horta, jardim e pomar.

Hoje aos quarenta anos, estou entendendo melhor essa relação da construção que fazemos a partir do que experienciamos, do contexto que nos cerca. Olhando para trás, penso: se tivesse feito e/ou deixado de fazer certas coisas tudo seria diferente. Talvez eu tivesse acertado mais e isso mudaria o ver e sentir de meus filhos a meu respeito. Se seria boa a mudança, isso não posso responder, pelo único motivo que importa e que tenho como referência, o meu "algo a oferecer": vivi. Pés no chão, cabeça na lua, coração em brotações, executava minhas tarefas e, assim, fui me construindo - o que não obsta a mudança, caminho natural do viver - e mais do que nunca, assevero a necessidade do ser e fazer, do ser e estar na dinâmica do viver, isto é, procurar ser verdadeiro sempre no seu momento posto nada ser absoluto. Sempre disse aos meus filhos que somos únicos em nossas multiplicidades. Talvez, por isso, tenha sido presenteada com a figura de Eu-mãe-Gabriela!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

(Des)faz






Desfaz nó, cria ninho...

Matilde resolveu dar basta a sua vidinha. Cotidiano convencional, (in)conveniente. Há muito enredada, eis que de repente  - não mais que urgente, irrompe uma ...um...desejo, necessidade; desconforto clareando mudança. 

O processo no qual Matilde atolou-se a partir desse raiar de sol foi vital, urgente, como pronto socorro para salvar a vida doente. Depurativo ao tornar-se consciente, ocupou plano primeiro daquela vida paciente, agora transfigurada, agente.

Nada fácil. Pouco impossível. Esforço roto. Teimosia transcendente. Teimosia? Deixa estar. Não carece complicar. Latitude. longitude. O quente/frio do viver imanente, transcendente.

Matilde, criatura simplória, acomodada,(des)obediente, (in)crédula, tudo se lhe figurava (im)pertinente.

Estado de ser. Saldo de um viver. Mas um só viver não bastaria àquela mulher que queria e temia, parava, acertava e errava, enfim, vivia.

Matilde pegou sua trouxa de retalhos e, na gare embarcou no trem da vida. Os retalhos aglutinavam-se e cobriam o corpo no frio tanto quanto espalhavam-se para que ela secasse a pele ao sol nos verões diuturnos.

Era só o que possuía. Retalhos de uma memória ora rica ora vazia. Sentindo o tempo a reclamar-lhe urgência se doava toda mesmo sem saber o que tinha. A isso chamava desejo necessário. Não era de muito pensar, deixando-se levar mais pelo que (pres)sentia. Acertava mais do que errava? Que importância isso tinha...Matilde fazia! Recusava entronar-se na hipocrisia dia e noite, noite e dia. Porta aberta, buraco no chão; fechada, casa cheia, vazia. solo firme; uma ponte, arvoredo no quintal, vendaval, pedra e flor e chuva, arco-íris, lamaçal. 

Dia após dias, estado atemporal de se saber peça de campo maior, indivíduo inequívoco de ter o saber do que é só.

Matilde, Clarice, Ana, Maria do mundo, micro, macro. Infinito, particular. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Medo


O medo do medo 
o medo do medo da morte
do rumo que tome a sorte

O medo de aprender a olhar e ver
de ver hoje o que não enxerguei ontem
O medo do que será o ver
num futuro não distante...

Nesse fututo-instante
o medo do medo
de mexer os pinos
do tabuleiro andante
- Será xeque?

É o medo do medo
que faz perder a chance.

M.Senra
madrugada de 92


Comecei falando do medo pois é inerente a todos. Quem nunca sentiu medo? É um sentimento que nos alerta sobre algo que incomoda, absolutamente normal desde que não prejudique a vida cotidiana. O medo não tem hora para aflorar, mas sempre remeterá a algo já ocorrido, ou às expectativas do porvir.

É no sentido de estímulo que venho propor encararmos os medos - de experiências novas, por exemplo, que podem trazer grande satisfação e conforto e que não raro muitos de nós passamos bom tempo adiando temendo as próprias respostas e/ou as alheias:
- será que eu consigo? - O que vão pensar de mim? etc.

Hoje, 20 anos pós ter escrito do medo que sentia ameaçar, percebo claramente que sabia que algo não ia bem e mesmo me sondando não tive coragem de caminhar e perdi as chances possíveis de mudança em minha vida à época. 

Quando o alarme do medo tocar, vamos nos propor a tentar entender o que é esse sentimento, sozinhos ou com ajuda de um profissional capacitado, pois, uma vez interrompido o curso perdemos tanto e, talvez mesmo a vontade de voltar a caminhar. Isso não podemos fazer jamais!