segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Fragmentos



Não é sempre que contamos o inteiro, quase sempre reunimos porções aqui, acolá e tecemos fios dos dias.
Nada impede uma secção repentina, que torne difícil ou mesmo indesejável o trabalho de reunir e cerzir.
Daí alguns fragmentos rodeando o vento, vindo em direção ao rosto, impedindo a visão ou enroscando os pés e levando à queda. Necessário aceitá-los antes de compreender. Por isso, os deposito aqui. Melhor espaço não há, afinal, é aqui que registro as imagens dos caminhos que sigo...

"O que seria da razão sem a emoção? O que é agora sem ela?"

"Prisioneiros do inferno d'alma, quem é silencia. No silêncio, vez por outra, vislumbra incerta libertação e, por incerta que é, silencia novamente. Pensa quase suplicando: poderei ir? Esquece em seguida. Sabe, mais que isso, sente, que enquanto não exorcizar fantasmas e enfrentar seus demônios, longe estará a liberdade. Talvez é nunca."

"Azul, sempre."

"Hoje sonhei com você. Motivo para isso não há, mas sonho não se controla...Me convidou a passear, um almoço em casa de uma tia. No seu carro ou no meu, não importa. Fomos. No meio do caminho - sempre o meio, análogo ao 'quase', maldição da existência -, você parou num mercadinho para comprar bebida, era sua contribuição. acho que divergimos quanto a isso e depois pouco me importei, afinal, não bebo mais. Seguimos, desta vez caminhando. Você ia um pouco à frente, levava algo parecido com um farnel e mais coisas nas mãos. Parava sempre que eu parava, nem uma palavra, só o olhar. Eu mal conseguia levar um pacote e um pouco do que foi comprado. Depois que chegamos tudo ficou diferente, principalmente, você, mas disso não vou falar. Gostaria de saber interpretar sonhos. Sonhos são tolos."

"A rosa não É e/ou pode ESTAR sem o espinho; só morta."

"Há pessoas, coisas e lugares que nos levam ao extremo das emoções onde não habita razão; conheço de cada um pouco."

"Os únicos animais cruéis somos nós, que não matamos para saciar a fome do estômago."

"Àqueles que não precisam de ninguém e estão sempre certos: continuem assim! Sempre, em todas as encarnações. Vocês merecem, afinal sabem de tudo..."

"Descobrir o que se pode ou não fazer é relativamente simples. Descobrir e ter consciência da vontade que se vai empregar ou não no agir, não; podendo causar negação no sujeito como reagente ao sentir-pensar e uma gama de emoções oriundas de naturezas diversas que o influenciará satisfatoriamente ou não, bem como o meio que o cerca."

"Voltar ao tempo de colorir painéis nas paredes e colar jujubas molhadas...como o Petit peguntar aos adultos depois: estão vendo minha onça? Ela 'tá' ali!"

"A rudeza das gentes na vida faz que esqueçamos a gentileza, primeiro, conosco e, depois, de doá-la, como faz o sol e a chuva e o ar que nos mantem a vida."

"Penso na amplidão que o amor nos habi(li)ta ser(mos) eu e você e o viver."

"A felicidade seria possível se houvesse compreensão e respeito."

"Livre é quem pode estar em paz consigo nas escolhas que faz. Liberdade não tem preço!"

"Resiliência...sempre a pratiquei, só não a chamava pelo nome!"

"Costume rechaçar os 'não competidores'...problema é de quem tem problema com os outros."

"Penso no sol e no mar tão vitais para minha existência; no céu estrelado; verde e pássaros livres como todos deveríamos ser."


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um olhar de criança







Quando era criança não pude assistir à adaptação de Gabriela para TV. Agora estou acompanhando e gostando, apesar de colher informações dos que assistiram à época e apontar diferenças; o que é natural.

Mas o que me trouxe aqui hoje não é a obra de Jorge e, sim, o olhar de minha filha, que me surpreendeu ao revelar que "me via mais ou menos assim como Gabriela"...A espontaneidade das crianças é fantástica e não precisei pensar muito em como explorar o assunto, bastou replicar: É, mesmo? interessante!..." e a pequena foi contando sua estória e descrevendo a mãe Gabriela dela!

Ouvi atenta a descrição e me indagava de onde ela tinha visto semelhança entre a personagem e eu.

Eu-Gabriela, sou na imaginação dela bem morena, cabelos negros e crespos (isso é verdade) longos ao vento e sempre com uma flor de hibisco a adorná-los (também aí, ela chegou perto, pois, apesar de meus cabelos, agora lisos e castanhos e curtos, sempre gostei de enfeitá-los com flores do campo). Mas ela era tão pequena, será que lembra disso? Uso roupas compridas e soltas, beirando o chão e, nos pés, no máximo, chinelos. Descalça, só na areia da praia para cumprimentar o mar, que retribui o carinho com marolinhas a fazer cosquinhas neles, adoro! Essa personagem sou eu mesma. Um jeito meio riponga de ser, um compromisso com o conforto e bem-estar que não comporta sensualidade e modismos. Nisso a famosa personagem de Jorge teve que se adaptar a mim para compor a imagem da mãe pelo o que a criança vê e sente.

Fiquei tão entusiasmada com a novidade que busquei na memória a imagem que fazia de minha mãe e lá estava ela como produto do que era: uma secretária executiva bem vestida, com sapatos de salto - que odeio! - muito educada e solicita nas oito horas em que era provedora. Já nos fins de semana tinha uma camponesa em casa. Uma mulher notável sem dúvida e que não hesitava em trocar o salto pela pá e cuidar de suas plantas. A cada colheita de frutas, um doce ou geléia diferentes. Como não existe bom sem defeito, os dela eram bastantes: perseguia sujeira até onde não havia, sua lança, a vassoura; seu escudo, o corpo, que pereceu. Talvez derive disso minha aversão aos afazeres domésticos...Já o "exterior" me atrai, seja na forma de um móvel para lixar, de uma parede para pintar e, ultimamente, até as plantas que sinto vontade de cultivar, ter horta, jardim e pomar.

Hoje aos quarenta anos, estou entendendo melhor essa relação da construção que fazemos a partir do que experienciamos, do contexto que nos cerca. Olhando para trás, penso: se tivesse feito e/ou deixado de fazer certas coisas tudo seria diferente. Talvez eu tivesse acertado mais e isso mudaria o ver e sentir de meus filhos a meu respeito. Se seria boa a mudança, isso não posso responder, pelo único motivo que importa e que tenho como referência, o meu "algo a oferecer": vivi. Pés no chão, cabeça na lua, coração em brotações, executava minhas tarefas e, assim, fui me construindo - o que não obsta a mudança, caminho natural do viver - e mais do que nunca, assevero a necessidade do ser e fazer, do ser e estar na dinâmica do viver, isto é, procurar ser verdadeiro sempre no seu momento posto nada ser absoluto. Sempre disse aos meus filhos que somos únicos em nossas multiplicidades. Talvez, por isso, tenha sido presenteada com a figura de Eu-mãe-Gabriela!