sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Um olhar de criança







Quando era criança não pude assistir à adaptação de Gabriela para TV. Agora estou acompanhando e gostando, apesar de colher informações dos que assistiram à época e apontar diferenças; o que é natural.

Mas o que me trouxe aqui hoje não é a obra de Jorge e, sim, o olhar de minha filha, que me surpreendeu ao revelar que "me via mais ou menos assim como Gabriela"...A espontaneidade das crianças é fantástica e não precisei pensar muito em como explorar o assunto, bastou replicar: É, mesmo? interessante!..." e a pequena foi contando sua estória e descrevendo a mãe Gabriela dela!

Ouvi atenta a descrição e me indagava de onde ela tinha visto semelhança entre a personagem e eu.

Eu-Gabriela, sou na imaginação dela bem morena, cabelos negros e crespos (isso é verdade) longos ao vento e sempre com uma flor de hibisco a adorná-los (também aí, ela chegou perto, pois, apesar de meus cabelos, agora lisos e castanhos e curtos, sempre gostei de enfeitá-los com flores do campo). Mas ela era tão pequena, será que lembra disso? Uso roupas compridas e soltas, beirando o chão e, nos pés, no máximo, chinelos. Descalça, só na areia da praia para cumprimentar o mar, que retribui o carinho com marolinhas a fazer cosquinhas neles, adoro! Essa personagem sou eu mesma. Um jeito meio riponga de ser, um compromisso com o conforto e bem-estar que não comporta sensualidade e modismos. Nisso a famosa personagem de Jorge teve que se adaptar a mim para compor a imagem da mãe pelo o que a criança vê e sente.

Fiquei tão entusiasmada com a novidade que busquei na memória a imagem que fazia de minha mãe e lá estava ela como produto do que era: uma secretária executiva bem vestida, com sapatos de salto - que odeio! - muito educada e solicita nas oito horas em que era provedora. Já nos fins de semana tinha uma camponesa em casa. Uma mulher notável sem dúvida e que não hesitava em trocar o salto pela pá e cuidar de suas plantas. A cada colheita de frutas, um doce ou geléia diferentes. Como não existe bom sem defeito, os dela eram bastantes: perseguia sujeira até onde não havia, sua lança, a vassoura; seu escudo, o corpo, que pereceu. Talvez derive disso minha aversão aos afazeres domésticos...Já o "exterior" me atrai, seja na forma de um móvel para lixar, de uma parede para pintar e, ultimamente, até as plantas que sinto vontade de cultivar, ter horta, jardim e pomar.

Hoje aos quarenta anos, estou entendendo melhor essa relação da construção que fazemos a partir do que experienciamos, do contexto que nos cerca. Olhando para trás, penso: se tivesse feito e/ou deixado de fazer certas coisas tudo seria diferente. Talvez eu tivesse acertado mais e isso mudaria o ver e sentir de meus filhos a meu respeito. Se seria boa a mudança, isso não posso responder, pelo único motivo que importa e que tenho como referência, o meu "algo a oferecer": vivi. Pés no chão, cabeça na lua, coração em brotações, executava minhas tarefas e, assim, fui me construindo - o que não obsta a mudança, caminho natural do viver - e mais do que nunca, assevero a necessidade do ser e fazer, do ser e estar na dinâmica do viver, isto é, procurar ser verdadeiro sempre no seu momento posto nada ser absoluto. Sempre disse aos meus filhos que somos únicos em nossas multiplicidades. Talvez, por isso, tenha sido presenteada com a figura de Eu-mãe-Gabriela!

4 comentários:

  1. Que belo texto, Mônica! Viajei na sua descrição indo até a Gabriela da novela, à Gabriela-Mônica-mãe e à Gabriela original de Jorge Amado, que ele criou na imaginação e só ele conhece. E me veio a confirmação de que nossa imaginação é infinita e a das crianças ainda mais...
    Quis seguir o blog, mas não achei o gadget dos seguidores. Instala e me avisa.
    Um grande abraço!

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    1. Obrigada, Expedito! É verdade, a imaginação das crianças é realmente maravilhosa e esperança de um mundo melhor!

      Abraço,

      Mônica

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  2. Muito belo seu espaço. Venho e fico e se gostar de poesias passe pelo meu cantinho!!!
    Abraços

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    1. Que bom que gostou, Malu!
      Gosto sim e será um prazer visitá-lo!

      Abraço,

      Mônica

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